Tem lugares, coisas,
sensações, que a gente nunca esquece e vai sempre sentir saudade pelo sentimento
de plenitude que nos davam.
Por isso ser
criança era tão bom e só agora a gente se dá conta disso. O cotidiano nos fazia
felizes... Como a expectativa de começar um caderno novo... Os dias entre a
compra do material escolar e a primeira lição na lousa para copiarmos no caderno
eram infinitos! Quando o dia chegava, dava vontade de usar todas as canetas
coloridas novas... Aquelas que depois guardávamos cuidadosa e organizadamente no
estojo. Não importava o quanto fôssemos ficar relaxados e com a letra horrenda
na segunda semana, os primeiros dias traziam a sensação de que era tudo novo e
tudo seria bonito e perfeito dessa vez... Até a disposição do material sobre a
carteira!
Como era bom
quando a professora, por algum motivo, nos abraçava... O cheirinho delas era
sempre docinho, como de algo que era bom em qualquer momento... Tudo traduzido
pelo aroma delas que transmitia a sensação de estarmos em casa, pertinho de
nossas mães que a esta hora estavam ralando no escritório, ou em casa para o pai
ralar no escritório, para nos manter naquele lugar que se tornara “nossa segunda
casa” – como elas mesmas diziam.
E a hora de
brincar no parquinho?! Essa era mágica! No início tínhamos certa dó de sujar
nossos uniformes tão limpinhos, nossos ursinhos tão macios, nossos brinquedos
tão novinhos... Mas entre uma risada e outra nos pegávamos esparramados no chão
há horas, jogando de um lado para outro tudo pelo que tínhamos tanto zelo quando
escolhemos em casa. Como se aquela não fosse uma rotina das sextas-feiras e sim
algo inédito!
Tinha também
aqueles dias em que íamos para a casa de um amiguinho, ou no meu caso, uma
amiguinha. A tarde se despedia tão lentamente, tão diferente dos dias de hoje...
E chegava a hora do lanche em algumas casas, em outras, a hora do jantar, e por
mais que tivéssemos petiscado a lancheira daquele amiguinho infinitas vezes, a
insegurança de provar a refeição da mãe dele prepara ali, na hora, na nossa
frente, dava uma sensação constrangedora. Afinal de contas nossas mães haviam
nos ensinado a não sermos mal educados e fazermos cara feia quando a comida não
estava “do nosso agrado” – eufemismo usado pelas matriarcas por saberem
empiricamente que desastres na cozinha acontecem, ou ainda, que os próprios
desastres vão para a cozinha tentar preparar algo –, mas elas nunca nos falariam
tão explicitamente que a comida preparada pelas mamães alheias podia ficar um
horror... Não deste jeito pelo menos... Tinham medo que repetíssemos isso
naquela hora tão amistosa que é a da comidinha na casa do amiguinho. Ah,
mães...! Sempre nos protegendo (e protegendo a si mesmas) de constrangimentos!
...Mas aí
finalmente chegava o momento de ir para casa. Hesitávamos até o último segundo,
mesmo já tendo sofrido a decepção de ver que os brinquedos do amigo eram mais
legais embora iguais aos nossos, e que a comida da mãe dele era totalmente
diferente daquela da nossa mãe embora fosse o mesmo miojo! A mãe do coleguinha,
por vezes, convidava-nos a dormir em sua casa, e mesmo sabendo que iríamos ficar
com vergonha de ir ao banheiro de madrugada ou de pedir aquele biscoito recheado
que vimos no armário, insistíamos para ficar. E nossas mães sabiamente nos
mandavam entrar no carro e não insistir mais, prevendo uma possível insônia,
xixi na cama ou inconveniente que a anfitriã sabia claramente que é o que
seríamos, mas sua gentileza e a baita encheção de seu pimpolho faziam-na
externar o convite de maneira entusiasmadíssima, sendo que em sua cabeça minutos
atrás era uma possibilidade remota e rezara para que seu filhote simplesmente
esquecesse esse detalhe. Colocando-se no lugar da anfitriã, nossa progenitora
apressava a despedida pra irmos logo para casa.
Finalmente
“lar doce lar”... Onde o sofá era mais macio e o cheirinho tão mais agradável
que esquecíamos o quanto desejáramos ter ficado na casa do(a) coleguinha da
escola. A idéia se perdia por completo no momento em que nossa mãe nos fazia
aquela comidinha do jeitinho que só ela sabe fazer... Por mais que fosse um
lanchinho preparado às pressas.
Quando
chegavam as férias fazíamos planos para encontrar os amiguinhos de sala, mas
sempre acabávamos por viajar com nossos pais geralmente para o mesmo lugar, mas
que parecia sempre tão diferente, já que para uma criança quando se trata de
comprar brinquedos para levar à praia tudo é novidade. É fato que não
percebíamos as mudanças nas paisagens, nas pessoas ou na violência da cidade,
porque eram coisas que pouco importavam já que o tempo passava arrastado naquela
idade e estaríamos sempre protegidos...
É engraçado
como hoje em dias esses “lugares de sempre” parecem tão diferentes e tão
pequenos já que crescemos... Mesmo que visitemos o mesmo lugar de antes com
certa frequência... Os cheiros, a euforia, a plenitude jamais são as mesmas já
que conhecemos muito mais coisas agora, temos muito menos tempo, mal conseguimos
relaxar e tudo é tão pequeno ou pouco... Quando qualquer detalhe remete àqueles
momentos da vida, bate uma saudade e traz sensações que hoje em dia não temos
mais. Uma nostalgia que conforta e desespera...
...É tudo tão
passageiro, tão rápido, que se pudéssemos sentir como sentíamos naquela época,
estou certa de que poucos ou nenhum optariam pela vida sem aqueles sentimentos.
Conhecíamos o suficiente para nos sentirmos renovados com muito pouco...
Seguros, sem receio de sermos julgados pelos medos, pela nossa euforia... Tudo era
como era. Podíamos ser o que éramos tendo a certeza de que assim era o
certo.
Não tenho
grandes dúvidas de que éramos muito mais “nós mesmos” do que somos hoje em dia
enquanto adultos. Não usávamos máscaras... Só às vezes omitíamos a verdade
quanto à comida ruim da mãe do amiguinho... Mas ainda sim tinha tanta nobreza
por trás dessa omissão. Era só uma mentirinha para não deixar alguém que fez algo por
nós com a sensação de que tinha falhado. Fazíamos isso pois ouvíamos em casa o
quanto podíamos magoar alguém com simples palavras. No fundo sabíamos que era o
certo. Sabíamos que gratidão ou reconhecimento por alguém que não foi perfeito,
mas tentou ser, era necessário.
Nós sabíamos
acreditar, acreditar cegamente. Ouvíamos conselhos por mais resistentes que
parecêssemos. Acreditávamos tanto em nossos pais quanto na mãe do amiguinho que
dizia querer que ficássemos em sua casa mesmo não vendo a hora que fôssemos
embora... E o melhor: não nos sentíamos inferiores por confiar. Do mesmo jeito
que não nos sentíamos inferiores por dizer que amávamos ou que não gostávamos...
Também não nos sentíamos assim por dizer
“obrigada!”. Também não nos sentíamos culpados por querer mais do mundo,
mesmo que ele já tivesse nos dado tanto... Podemos dizer que em algum momento
tivemos valores verdadeiros, genuínos... Sem vergonha ou medo de ser o que se
é!
Hoje dá pra
ver o quanto se perde não sendo assim e o quanto nossa vida e o mundo todo seria
diferente se pudéssemos ser nós mesmos... Sem medo, sem julgarmos a nós mesmos a
ao próximo... Pois não julgávamos e vivíamos muito bem assim. Vivíamos melhor
ainda porque os medos iam embora com um abraço de quem amávamos... Tínhamos a
plena segurança de sermos completos... E sem querer passávamos a mesma
segurança, de que tudo vale a pena, a nossos pais que tanto precisam dessa
sinceridade e transparência, como nós, hoje adultos. E agora a gente sabe disso
com tanta certeza... Pois com filhos ou sem filhos somos adultos e precisamos de
um pouco mais de verdade, flexibilidade, sabedoria pra ouvir, para não julgar,
calar e principalmente precisamos de coragem para amar e viver. Amadurecer pode
ser lindo... mas na medida certa!
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